Magnolia Cartonera é tema de artigo de mestrado na Universidade Jean-Jaurès de Toulouse na França
2.8.20Maceo Coutinho, estudante do curso de mestrado de 'Engenharia de Projetos com a América Latina' da Universidade Jean-Jaurès de Toulouse na França (Université Toulouse-Jean Jaurès), nos procurou em busca de informações sobre o nosso trabalho com publicação independentes que realizamos com a Magnolia Cartonera, para escrever um artigo sobre uma editora cartonera. Ele nos contou pelo Facebook: “Gostei muito do trabalho de vocês! Inclusive, estou fazendo estágio numa biblioteca comunitária em Recife agora. Eu tenho umas perguntas, para escrever um bom artigo à altura do trabalho de vocês. Gostaria de saber mais sobre o contexto da criação da sua editora, sobre os projetos de vocês. Você acha possível de marcar uma conversa para isso? Muito obrigado desde já.”
Esse é o artigo que o Maceo escreveu sobre a Magnolia Cartonera, publicado em francês no dia de 20 março de 2020 no blog “Artes e Inovações na América Latina - Das edições cartoneras à cibercultura” (Arts et innovations en Amérique Latine - Des éditions cartoneras à la cyberculture), blog que propõe apreender no contexto as práticas artísticas alternativas ou contraculturais nos campos latino-americanos de dois meios de culturas minoritárias: cibercultura e a produção cartonera, produção artesanal de livros com capas de papelão. Dois tipos de produção que a priori são bastante separados, mas que refletem a mesma resposta às questões que atualmente atravessam os campos artísticos latino-americanos (neoliberalização do campo artístico, censura, discriminação étnica/de gênero, etc). O blog é alimentado pelo trabalho e pela pesquisa dos alunos do Mestrado em Civilizações, Culturas e Sociedades do IPEAT (Institut Pluridisciplinaire pour les Etudes sur les Amériques à Toulouse) ou Instituto Multidisciplinar de Estudos das Américas em Toulouse. Seu objetivo é apresentar e contribuir para a divulgação de produções ciberculturais e cartoneras. Tradução do artigo feita por Daniele Carneiro (Magnolia Cartonera | Blog Bibliotecas do Brasil).
"Acesso à leitura de e para todos: Magnolia Cartonera"
— Artigo de Maceo Coutinho
Daniele Carneiro e Juliano Rocha deram à luz à editora Magnolia Cartonera em 2014 em Curitiba - Brasil. Resultado de um projeto de longo prazo, os dois artistas trabalham desde 2012 para promover o acesso à leitura para todos. Tudo começou com a criação de uma biblioteca comunitária, gratuita e independente na área rural de Morretes, no estado do Paraná no Brasil. Uma biblioteca comunitária é um espaço de leitura e aprendizado, que surgiu por iniciativa da comunidade e é gerenciado por ela. Em outras palavras, a biblioteca é criada pela e para a comunidade, com o objetivo de fornecer acesso à cultura, literatura, artes, onde esse acesso não existia ou dificilmente existia.
De fato, a democratização dos livros no Brasil foi iniciada em 1994, com o plano de estabilização do real. Anteriormente, entre 1884 e 1984, a inflação era tal - 20% ao mês - que não havia preço livre estável. Desde 2002, o Brasil vê o nascimento de muitas editoras e novos canais de venda de livros: isso permite um aumento nas vendas e no número de livros.
Juliano Rocha, Dona Josefa Pereira, seu filho Edemilson Pereira e Dani Carneiro, com os livros que deram início à Biblioteca Comunitária Sítio Vanessa em Morretes na serra do mar do Paraná - Brasil
Motivados a promover o compartilhamento de livros, Daniele e Juliano criaram o blog Bibliotecas do Brasil em 2012. Este último se tornou um diretório de ações e projetos nacionais compilados por nossos dois autores. O blog permite visibilidade, criação de uma rede, compartilhamento, cooperação nesses projetos. Após essa iniciativa, a dupla criou a ação Leia, Empreste ou Devolva em 2013, sempre com o objetivo de promover e facilitar o compartilhamento de livros. Eles oferecem recursos visuais gratuitos e um tutorial de criação de biblioteca comunitária em seu blog.
A Minibiblioteca do Sossego (2014) no Parque Gomm em Curitiba foi idealizada por Daniele Carneiro e Juliano Rocha através da iniciativa "Leia, Empreste e Devolva" que também foi ampliada através do livro "Ideias para Bibliotecas Livres"
A descoberta do movimento cartonero durante uma viagem em maio de 2014 a Porto Alegre será o ponto de virada para a dupla. A primeira editora cartonera nasceu durante a grande crise econômica e política do início dos anos 2000 em Buenos Aires. Washington Cucurto e Javier Barilaro criaram Eloisa Cartonera em 2003. No Brasil, a primeira é Dulcineia Catadora (La Dulcinée Collectrice; catadora de caixas de papelão recicláveis) em 2007 em São Paulo. O Brasil não estava naquele momento marcado por uma crise como na Argentina. No entanto, as editoras cartoneras no Brasil e na Argentina refletem o desejo de todos de criar e ter acesso a livros, sem passar pelo mercado editorial capitalista.
Lançamento do livro-arte do Jornal Boca de Rua e do Encontro de Saraus de Porto Alegre na FestiPoa Literária, no dia 25 de maio de 2014 na Casa de Cultura Mário Quintana, foi onde conhecemos os livros cartoneros. Escrevemos sobre esse momento neste post.
Os livros cartoneros são criações artesanais e artísticas únicas de livros feitos em papelão reciclado. Eles têm a vantagem de serem muito baratos, tanto para produzir quanto para vender, e de oferecer total independência na criação, edição e publicação. Os cartoneros se alinham com questões sociais: motivação para ler, promoção de autores latino-americanos, locais e independentes, uma economia colaborativa e justa.
Uma verdadeira resistência cultural ao neoliberalismo, um movimento transgressor das margens contra a produção centralizada de livros. Transgressão de uma margem contra o centro, transgressão do desperdício que se torna arte, transgressão de literatura ligada às artes visuais.
Fornecer acesso a informações e conhecimento para todos é sua prioridadeEles fornecem ao leitor idéias, projetos e ferramentas gratuitos para quem não pode comprar suas criações. Assim, eles oferecem uma maneira para os mais desfavorecidos "ampliarem sua visão do mundo":
“O acesso ao conhecimento e ferramentas que a educação possibilita deve ser acessível a todos que desejam ampliar sua visão de mundo e, ao usar esse conhecimento, potencialmente melhorar sua qualidade de vida. "
— Site Bibliotecas do Brasil, tradução do autor
A partir de então e até hoje, a Magnolia Cartonera publicou seis livros em formato cartonero e oito zines, revistas artesanais, 817 livros vendidos em 26 estados e 161 cidades brasileiras. Além disso, suas criações estão disponíveis em várias bibliotecas dos EUA e britânicas. Aqui estão alguns deles:
Guia Prático para Bibliotecas Comunitárias em 2016, um manual prático que fornece ferramentas para criar e organizar uma biblioteca comunitária autogerenciada e independente.
Bibliotecas Mudam o Mundo em 2016, que oferece exemplos de impactos sociais positivos das bibliotecas para suas comunidades. Um trabalho muito importante, pois facilita a compreensão dos benefícios das ações e projetos criados por muitas bibliotecas comunitárias brasileiras.
Sobre Livros Cartoneros em 2019, incentivando aqueles que desejam publicar seus textos e escritos de maneira artesanal. Também de acordo com seu objetivo de acessibilidade aos livros, eles oferecem ferramentas para criar e vendê-los.
Desde a criação de uma biblioteca comunitária até a de uma livraria on-line, Daniele e Juliano realizaram ações espontâneas para incentivar o acesso a livros, leitura e educação (por meio de cursos e bibliotecas). A força de seu trabalho é explicada pela vocação nacional de seus projetos e ações. Isso é evidenciado, por exemplo, pela iniciativa multicultural Cartoneras Populares: uma série de textos sobre várias pessoas, editores e coletivos para popularizar a arte cartonera que, segundo a dupla, é pouco conhecida no Brasil. Cartoneras Populares oferece oficinas para melhor acesso à escrita, artesanato e publicações independentes. Essa iniciativa incentiva a participação das mulheres.
"Para compor a iniciativa 'Cartoneras Populares', nós entramos em contato com pessoas das mais variadas origens e caminhadas de vida. Eles são artistas solo e coletivos muito conscientes da realidade da publicação independente para pessoas que enfrentam sacrifícios financeiros diários. Procuramos artistas, professores, bibliotecários, educadores, mediadores de leitura, escritores, revolucionários, forasteiros, pessoas comuns que entendem o que significa estar em desvantagem financeira além de seus meios."
— Site Bibliotecas do Brasil, tradução do autor
Oficina Arte em Papelão realizada por Daniele e Juliano da Magnolia Cartonera na Cordelteca (biblioteca de cordéis)
do Sesc Crato (Ceará-Brasil) em setembro de 2018
Arte em Papelão - Oficina de Bloquinhos Cartoneros com os autores Daniele e Juliano da editora artesanal Magnolia Cartonera na Casa Eliseu Voronkoff em Araucária (Paraná-Brasil) em outubro de 2018
A maior parte do conteúdo da Magnolia Cartonera está indiretamente ligada à produção de cartonera, no sentido de fornecer as ferramentas para que todos possam criar e organizar bibliotecas comunitárias e cartoneras. Essa abordagem única no Brasil representa toda a originalidade do projeto. É claro que a Magnolia Cartonera publica trabalhos únicos com vocação artística: "Eles chegaram! / No terminal", por exemplo, um conto apocalíptico, juntamente com uma história em quadrinhos sobre as viagens de transporte público dos dois autores. Mas a maioria de suas criações tem como objetivo popularizar essas práticas. Como Dulcineia Catadora, esta editora abrange várias causas sociais; valorização e inclusão social dos menos favorecidos, dando-lhes voz e as ferramentas para criar sua arte. O livro é a expressão da arte e do poder.
O projeto editorial promovido pela Magnolia Cartonera é único, como dissemos. No entanto, ele participa - assim como as outras cartoneras - na expressão da marginalidade e assume uma posição de auto-reflexão para entender e fazer ouvir a sociedade em que atua. A editora faz parte de um movimento cultural cuja recepção é local e internacional: suas criações são dedicadas à venda em pequena, média e grande escala, como evidenciado pelo simples fato de ter uma loja on-line ou estar presente em várias redes sociais.
A recepção de sua editora também pode ser medida pela recepção de seus projetos. A cada ano, a Magnolia Cartonera monta cada vez mais projetos, fortalece sua rede nos novos estados brasileiros e realiza atividades em bibliotecas e escolas.
A leitura oferece uma maneira de acessar outros mundos, histórias, pessoas, conhecimento. O livro é o guardião da consciência e dos pensamentos humanos. Os livros cartoneros são a resposta de várias vozes latino-americanas desconhecidas a crises, marginalidade, pobreza... Uma alternativa à lógica capitalista, aberta às experiências artísticas e literárias humanas. Magnolia Cartonera arquiva micro-histórias do presente e contribui para a criação de mais e mais no futuro, para uma historiografia mais justa e completa da sociedade brasileira.
***A loja online da Magnolia Cartonera atualmente encontra-se em pausa devido à pandemia de coronavírus. O livro Ideias para Bibliotecas Livres está à venda em versão digital (ebook) neste link: https://amzn.to/2XzjIHR
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Artes: Juliano Rocha
Fotos: Daniele Carneiro, Juliano Rocha, FestiPoa Literária
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