Os livros são como rios

23.8.15


Meus livros não precisam ficar comigo. Como ex-colecionador de quadrinhos eu entendo o prazer que se tem ao observar todas aquelas lombadas coloridas, perfeitamente organizadas em uma prateleira, formando um conjunto visível de conhecimento que você já leu ou pretende ler. Mas nesse momento o livro deixou de ser um livro, ele tornou-se tão importante quanto o tipo de tecido em uma poltrona, tornou-se apenas mais um objeto de decoração.

Como tudo na vida, os livros possuem uma diversidade: aqueles que sempre usamos para consultas, aqueles que amamos tão intimamente que não aguentamos nem ver alguém folheando eles, aqueles que podemos reler, aqueles que lemos e por costume colocamos ao lado de outros lidos pois este é o costume. Os últimos são os livros que já perderam seu valor para você, eles possuem uma importância grande em sua mente como conhecimento adquirido, mas que agora estão pedindo uma nova oportunidade de encantarem alguma outra leitora ou leitor que ainda não sabem que precisam deles.

O livro é como um rio que segue seu curso enchendo pequenas lagoas pelo caminho, causando pequenos alagamentos de conhecimento que após fertilizar uma mente, deve seguir o seu leito até encontrar outra mente propícia para seus nutrientes intelectuais. A água desse rio também pode tornar-se insalubre caso fique represada por mais tempo do que o necessário. Quebre as represas que a vontade de possuir cria em sua mente, liberte esse rio, deixe que ele siga caudaloso em seu caminho até novas mentes sedentas.

O livro foi e continua sendo revolucionário desde sua criação por permitir que mais de uma pessoa possua e transmita conhecimentos. A ideia de que o conhecimento é poder não é novidade há alguns milênios para aqueles que possuem conhecimento e poder. Antes os líderes religiosos, reis e rainhas, os poucos que podiam se dizer alfabetizados em uma sociedade extremamente desigual onde seu futuro e classe social estavam traçados desde o nascimento eram os únicos que podiam ter acesso ao conhecimento.

Quando esse objeto que pode guardar ideias e conhecimentos pôde ser reproduzido de forma barata, o mundo pegou fogo em revoluções daqueles que finalmente tiveram acesso a ideias que hoje são conhecidas pela maioria das pessoas: todos merecem educação, direitos iguais, oportunidades de melhorar sua vida e ter acesso à saúde e à felicidade. Ninguém possui o direto de oprimir ou de se proclamar escolhido por qualquer entidade religiosa ou política como superior aos outros.

Os livros trouxeram as ideias contrárias a todo aquele pensamento antiquado e como toda ferramenta capaz de causar revoluções foi banido, queimado e escondido dos olhos da população. Você pode queimar livros mas não as ideias que eles transmitem. As ideias são contagiosas, como diria Neil Gaiman, ao serem expostas a um grupo elas irão se espalhar e influenciar os rumos de sociedades inteiras.

Ao permitir que um livro lido continue seu caminho você dá a um número incontável de pessoas a oportunidade de encontrar novos mundos, descobrirem direitos que não sabiam que possuíam, descobrirem carreiras que podem perseguir, terras distantes que podem conhecer ou sentirem-se mentalmente conectadas com pensadores de 2 milênios atrás.

Libertar livros é muito fácil, você pode doá-los para bibliotecas (comunitárias, livres ou públicas), montar pequenas bibliotecas livres, pode deixá-los livres em locais de grande movimento, pode dar de presente ou trocá-los. Já falamos de todas essas formas no blog e caso precise de mais informações é só seguir os links anteriores.

Não represe as águas do conhecimento, permita que o livro siga influenciando a vida de muitos outros, deixe esse rio fluir e matar a sede de conhecimento de quem ainda não travou contato com seu conteúdo. Com essa simples atitude você pode se tornar uma semeadora, ou semeador, de rios.


***Texto originalmente enviado na newsletter Bibliotecas do Brasil Inbox que enviamos semanalmente e pode ser assinada gratuitamente aqui.

Foto: Pôster que está à venda no blog Bibliotecas do Brasil.

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