Acessibilidade nas bibliotecas - uma visão pessoal
7.3.15
Convidamos Jacqueline Carteri, pedagoga e criadora da página de incentivo à leitura Capitu Lê para escrever esse texto sobre acessibilidade em bibliotecas:
Vamos falar um pouco sobre acessibilidade e espaços de leitura. Todos sabemos que a leitura e seu acesso devem ser democráticos, para tanto existem as bibliotecas públicas. Espaços comuns, compartilhados, com livros, materiais de multimídia, periódicos e programações culturais, ótimo!
Tudo perfeito, mas será?
Vamos imaginar um cadeirante, ou alguém com mobilidade reduzida, ou talvez outra deficiência física, mas que gosta muito de ler, não tem uma biblioteca pessoal (e talvez nem deseje isso), mas quer muito ler livros tentando entrar em um espaço de leitura alocado em um prédio construído em 1900, com belas escadas de madeira nobre, corrimão estilo rococó com ornamentos dourados. Mas só tem escada.
E aí? Será que estou exagerando? Essa cena não é real? Pois eu lhe digo que sim, isso acontece.
Infelizmente os espaços públicos e principalmente as bibliotecas não estão preparadas para receber pessoas com deficiência. O que acontece é que ou são montadas em prédios antigos, ou estão em espaços locados, os quais só podem passar por reformas mediante autorização do proprietário.
Desde o ano 2000 existe a Lei Federal nº 10.098 que:
- Art. 1º - Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.
O Capítulo IV da Lei 10.098 é inteiramente dedicado à acessibilidade nos edifícios públicos ou de uso coletivo, como as bibliotecas. No artigo 11 do capítulo IV consta que todos os prédios públicos devem permitir o acesso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida aos seus espaços.
Em dezembro desse ano a lei completará 15 anos. Mas acho que quinze anos não é tempo suficiente para adequações, não é? Realmente, queremos tudo para ontem, esse imediatismo ainda acaba conosco! Seria mesmo cômico se não fosse trágico! Aí você pode dizer, mas porque tanto drama só por causa de um livro?
Por isso eu te digo, não é apenas um livro, é muito mais que isso, é o conhecimento, a oportunidade de conhecer e viver experiências para além das limitações que só quem tem sabe o quanto podem ser destrutivas para saúde mental do ser humano. É a esperança de viver um mundo diferente daquele que oprime o tempo todo e limita além de espaços, vontades e oportunidades.
Mas como toda lei tem que ser cumprida, alguns locais "fazem o favor" de fazer uma rampa para aqueles que insistem em frequentar esses espaços, mas a distância entre a calçada e a porta é muito pequena, então, fazem a rampa assim mesmo, desproporcional e quando a cadeira de rodas tenta subir, nem queira saber o que pode acontecer. Já viu aqueles besouros de perninhas para cima? Então, nem vou dizer mais nada, vamos usar a imaginação. Você consegue entrar no espaço depois de um pouco de sofrimento e boa vontade alheia, mas aí descobre que lá dentro não tem um banheiro adaptado. E agora? Melhor escolher o livro e sair rapidinho dali. Mas será mesmo?
Vamos pensar sobre isso: - Por que é tão difícil se colocar no lugar do outro?
Infelizmente existem prédios públicos novos com essa mesma falta de estrutura. Precisamos mencionar também as dificuldades que os cadeirantes enfrentam e que muitas vezes não paramos pra pensar à respeito: os degraus, o espaço reduzido entre as estantes, os balcões de atendimento e os armários de guarda-volumes muito altos, a falta de espaço entre as mesas, as catracas na entrada, as portas estreitas e vários outros obstáculos arquitetônicos e mobiliários.
Claro que muito se tem melhorado porque as pessoas começaram a cobrar os seus direitos, mas ainda há muito a ser feito. As pessoas têm que pensar nisso como um problema coletivo, não de poucos. Políticas públicas devem ser discutidas, as pessoas envolvidas que realmente necessitam de adaptações para se locomover e assim ter um pouquinho de qualidade de vida devem ser ouvidas, e terem maiores oportunidades para falar de suas expectativas e da realidade que encontram por aí.
Não fiz esse artigo com a intenção de comover as pessoas no sentido piedoso da palavra, mas para que o tema seja pensado, refletido, discutido, absorvido pela sociedade e pelo poder público. Que todos possam exercer dos mesmos direitos e deveres e fazer valer sua condição de cidadãos, mostrando que a falta de acesso e a pouca importância que é dada ao tema não sejam empecilhos para aqueles que querem frequentar uma biblioteca, um auditório, um teatro, um museu, ou qualquer outro espaço cultural.
- Conte para a gente: Como está a acessibilidade das bibliotecas da sua cidade? Escreva para contato@bibliotecasdobrasil.com
Jacqueline Machado Carteri é pedagoga e trabalha com projetos de incentivo à leitura há 15 anos. Além de já ter coordenado espaços de leitura, é frequentadora assídua de bibliotecas públicas e espaços culturais. Aficionada por leitura, Jacqueline criou a página Capitu Lê que hoje é seu maior meio de comunicação com o mundo da leitura, pois por estar em tratamento ortopédico encontra-se temporariamente afastada do trabalho e com dificuldades de locomoção, e está utilizando uma cadeira de rodas há quase dois anos. Conheça a Capitu Lê no Facebook.
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Edição do texto: Daniele Carneiro - contato@bibliotecasdobrasil.com
Arte: Juliano Rocha sobre foto de KTH Biblioteket
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