Piracaia na Leitura espalha minibibliotecas no interior de São Paulo
15.9.14
Duas minibibliotecas em formato de casinhas foram montadas na cidade de Piracaia, no interior de São Paulo. A primeira minibiblioteca fica na Av. Doutor Cândido Rodrigues, no ponto de ônibus em frente ao Posto de Saúde e à Cadeia Pública de Piracaia. A segunda fica na Rodovia Jan Antonin Bata, na rotatória de entrada e saída da cidade. Livros livres ficam à disposição dos leitores dentro de cada uma delas.
O projeto Piracaia na Leitura começou oficialmente com a inauguração da primeira casinha de livros no ponto de ônibus do Posto de Saúde da cidade no dia 16 de junho de 2014. Mas para Amanda Leal de Oliveira e seu esposo Marco Maida, coordenadores do projeto, o Piracaia na Leitura começou muito antes. Amanda contou ao blog Bibliotecas do Brasil como tudo começou:
"Eu e meu marido nos mudamos para Piracaia há um ano e desde antes de firmarmos residência aqui, identificamos na cidade os pontos de ônibus com espaços bem cuidados e bonitos, eles são cobertos com telhas, possuem colunas de madeira, muros de pedra e uma primavera plantada ao lado. O Marco, meu marido, que gosta muito de plantas, pensou em apresentar um projeto para a prefeitura de cuidado com as plantas dos pontos de ônibus, pois algumas dessas primaveras estavam crescendo muito tortas ou até mesmo morrendo. Sua ideia era a de envolver os idosos e/ou jovens da cidade que gostassem de jardinagem para cuidarem do paisagismo do entorno dos pontos de ônibus".
Amanda, que trabalha com mediação de leitura e bibliotecas comunitárias há mais de 15 anos, contou ao blog Bibliotecas do Brasil que pensou em acrescentar ao projeto uma casinha de livros, ampliando o acesso à leitura para a população que usa o transporte público. Ela e Marco apresentaram a ideia para a Secretária do Meio Ambiente de Piracaia e para a Secretária de Cultura, que apoiaram a iniciativa e levaram o casal até a prefeita, que aceitou fazer as primeiras casinhas de livros. Em janeiro de 2014, o casal começou a espalhar a notícia sobre o projeto e a arrecadar livros entre os amigos e conhecidos. Foram arrecadados mais de 500 livros em poucos meses. A Fundação Itaú Social - Programa Itaú Criança doou 300 livros infantis e juvenis. A prefeitura cedeu uma sala para que eles pudessem receber e organizar os livros.
Amanda Leal de Oliveira e seu marido Marco Maida
Amanda nos contou mais sobre a iniciativa: "Fizemos um levantamento de cinco sugestões de nome para o projeto e todos os alunos da rede municipal e particular de Piracaia participaram de uma eleição que escolheu Piracaia Na Leitura. A equipe de marcenaria municipal entregou a primeira casinha, feita artesanalmente com sobras de madeira, e nós, em companhia de um amigo marceneiro, lixamos, pintamos e instalamos em um ponto de ônibus bem movimentado da cidade, em frente ao posto de saúde, à cadeia pública e próximo de uma escola municipal".
Livros livres e colaboração coletiva
As duas minibibliotecas montadas pelo projeto são dedicadas totalmente ao empréstimo livre. Há uma apresentação e explicação visual do projeto em cada uma das minibibliotecas com as orientações de utilização. Em cada livro há um carimbo que diz o seguinte: Piracaia na Leitura - pegue, caia na leitura, devolva. E há também um texto dizendo que os livros pertencem ao acervo do projeto, que podem ser emprestados e depois devolvidos em qualquer ponto de ônibus onde haja a minibiblioteca da iniciativa. Três novas minibibliotecas estão sendo feitas por iniciativa de moradores de dois bairros de Piracaia.
Amanda Leal contou que o objetivo do Piracaia na Leitura é ampliar o acesso à diversidade da leitura e promover a apropriação da cultura escrita: "Gostamos de uma frase do professor francês Daniel Pennac - Como Um Romance, Editora Rocco, que diz que não somos obrigados a gostar da leitura, podemos excluí-la de nossas preferências, mas o que não podemos é ser excluídos por ela. Então, inicialmente, nossa ideia é apresentar a diversidade da escrita - temos histórias em quadrinhos, romance, crônicas, receitas, dicas de saúde, etc. O leitor pode gostar de uma coisa e não gostar de outra e acreditamos ser importante, portanto, que ele possa conhecer a diversidade para se descobrir leitor".
A primeira leitora da minibiblioteca livre que fica no ponto de ônibus Santo Antônio
As pessoas estão ajudando a manter a casinha e os livros arrumados dentro dela. Todas as manhãs Amanda e Marco passam na minibiblioteca para tirar as propagandas e panfletos que eventualmente alguém deixa por lá. Repetindo a visita à noite, eles verificam se ela está fechada, para que os livros não peguem vento ou chuva. Montar bibliotecas livres é uma ação de amor, portanto esses pequenos cuidados com ela vêm naturalmente por parte de quem criou e por quem empresta seus livros livres.
Amanda explica: "se o problema da falta de acesso é uma realidade e precisamos enfrentá-la, temos em nossa história uma questão que é muito importante, uma trajetória com a leitura de muita dificuldade e restrição, tornando nossa relação com a escrita marcada por muita obrigatoriedade, subordinação ao livro e à cultura escrita. Gostamos dos estudos de outro professor, Edmir Perrotti (ECA-USP) que associa a nossa relação atual com a leitura com a colonização: há 500 anos os portugueses chegaram e nos trouxeram a cultura escrita - desse modo como a concebemos - e disseram aos indígenas: 'esqueçam tudo o que vocês sabem, a verdadeira cultura está nestes livros'. E se repararmos bem, vemos que até hoje carregamos um pouco as marcas dessa história, a cultura escrita se coloca - e é colocada - de forma superior às outras manifestações culturais. Isso inibe e afasta as pessoas da leitura".
Inauguração da segunda minibiblioteca do projeto Piracaia na Leitura
"Nosso objetivo com este projeto é também desmistificar a escrita, no sentido de colocá-la em relação horizontal com as pessoas, tal como afirmava Paulo Freire: leitura e mundo integrados, leituramundo. O que você gosta de ler? O que você quer ler? Como quer ler? Onde? Quando? São questões bem pessoais e que cabe ao leitor escolher. Os livros nos pontos de ônibus permitem que cada um escolha e possa construir uma relação mais pessoal com a escrita. O fato de não ter ninguém cobrando nem a leitura e nem a devolução dos livros, pode favorecer e fortalecer uma relação de mais autonomia.
Então, nossa ideia é também reconstruir nossa relação com a escrita, criando situações mais prazerosas e livres. "
Recepção por parte dos leitores e união através dos livros
Segundo Amanda, a recepção dos leitores foi excelente. Havia o medo por parte de algumas pessoas de que houvesse depredação da casinha e de que os livros não fossem devolvidos, mas nada disso ocorreu. As pessoas têm devolvido os livros e comentado o que estão lendo no Facebook e pessoalmente também. As pessoas estão ajudando a manter a casinha e os livros arrumados dentro dela.
"Temos proposto ações de mediação, lendo e indicando livros no ponto e fazendo roda de histórias em lugares da cidade. Como já disse outro professor, Pierre Bourdieu, 'a distância física não supera a distância cultural'. Os livros estão próximos e são gratuitos, mas, mesmo assim, tem muita gente que não se aproxima por causa de uma relação histórica e cultural com os livros. Claro que, por enquanto, com um mês de projeto, tem saído muito mais livros do que retornado. Mas acreditamos que isso seja normal. Nem todo mundo tem tempo de ler muito, depois, de passar de novo naquele ponto com o livro na bolsa. Então achamos normal que a maioria dos livros esteja circulando e não de volta na casinha. Estamos tranquilos com isso. As pessoas mais próximas comentam que só devolverão os livros que pegaram daqui há dois meses! É normal você ficar com o livro por um tempo, lendo aos poucos. Os livros infantis circulam mais. Eles entram e saem da casinha com maior frequência. E talvez alguns livros a gente não volte a ver mesmo, acho que faz parte também. Mas, além de ser a minoria, torcemos para que eles estejam sendo lidos, circulando entre outros leitores por aí", nos contou Amanda.
Na primeira roda de contação de histórias que o Piracaia na Leitura realizou no Parque Ecológico da cidade, mais de 40 pessoas compareceram ao evento.
Todo mundo quer participar
Uma escola municipal entrou em contato com o Piracaia na Leitura querendo dicas de livros para conversar sobre bullying. Outro projeto da cidade procurou livros sobre meio-ambiente. Muitas pessoas têm ido conhecer pessoalmente Amanda e Marco, querendo compartilhar o que leram, o que realizam nos bairros e nas escolas. Eles tem recebido convites para fazer roda de contação de histórias nos bairros, e as doações de livros também não param: "Cada vez mais gente querendo participar".
Doações de livros
O Piracaia na Leitura está recebendo doações de livros de literatura infantil, juvenil e adulta, gibis e revistas em quadrinhos, livros de receita e livros de referência (para pesquisa e informativos). A pessoa que se interessar em fazer uma doação pode entregar pessoalmente na sala do Piracaia na Leitura na prefeitura da cidade, ou enviar diretamente pelos Correios:
CX. POSTAL 118 - CEP: 12.970-000 Piracaia/SP.
Siga no Facebook: https://www.facebook.com/piracaianaleitura
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A partilha de livros através de bibliotecas livres, de ações, iniciativas e projetos de incentivo à leitura têm se popularizado no mundo todo, e no Brasil não é diferente. As bibliotecas livres têm ganhado força em todo o território nacional, através das mãos e das iniciativas de pessoas que têm o prazer de partilhar livros, democratizar a cultura, e torná-los acessíveis a quem de outra forma, não teria como entrar em contato com eles. Com a ajuda de materiais recicláveis e reutilizáveis, e o engajamento das comunidades leitoras, manter uma biblioteca livre comunitária é um projeto bastante apaixonante, divertido e de estímulo à leitura e à circulação de livros. E no livro 'Ideias para Bibliotecas Livres' você encontrará exemplos de histórias, dicas, sugestões, ideias e ferramentas para tirar o seu projeto de biblioteca livre do papel, e começá-lo agora mesmo.
Matéria: Daniele Carneiro - Bibliotecas do Brasil
contato@bibliotecasdobrasil.com
Fotos: Piracaia na Leitura
Fotos do livro Ideias para Bibliotecas Livres - Daniele Carneiro
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