A banalização da vulnerabilidade
19.9.14
Arte: Juliano Rocha / Foto: Leticia Fontoura
Na newsletter Bibliotecas do Brasil Inbox #23 escapamos um pouco do que é tradicional na newsletter e resolvemos abordar um assunto que repercutiu essa semana nas redes sociais, o quadro "Vai fazer o quê?" do Fantástico que colocou um ator mirim “fantasiado” de menino de rua para pedir livros aos pedestres em frente de uma livraria. Daniele Carneiro, editora do blog Bibliotecas do Brasil faz uma análise bastante crítica e pessoal do que viu e refletiu sobre essa matéria.
Trecho:
"Por que não mostrar iniciativas reais, de pessoas que já estão realizando ações de incentivo à leitura e acesso aos livros para pessoas que se encontram em vulnerabilidade? Eu avalio isso como uma forma de subestimar a inteligência das pessoas, dos próprios telespectadores do Fantástico. Eles partem do princípio de fazer algo pouco aprofundado, não refletem sobre os direitos que são negados aos moradores de rua, e tentam de toda forma legitimar o livro como uma “esmola aceitável”, não o dinheiro ou um prato de comida, ou muito mais que isso, não engajam as pessoas a tomar uma ação solidária efetiva, para melhorar a situação.
Essa ideia do quadro querer legitimar o pedido de um morador de rua por um livro - que remete à cultura e à educação - mas reforçar o preconceito de que se der dinheiro para a pessoa, o que ela fará com ele, - afinal crack também mata a fome – e transmitir a sensação de quem doa poderá colaborar para “sustentá-los”, ao meu ver deixa uma mensagem bem clara enviada pelo quadro do Fantástico: se alguém está querendo dinheiro pra comer, que vá estudar e trabalhar para consegui-lo, mas se for um livro tudo bem. O cidadão de bem ajuda.
O quadro do Fantástico escolheu uma maneira humilhante de mostrar que aqueles que detém o poder econômico devem ser incentivados a doar livros, mas não para se articular para arrecadar roupas, gerar oportunidades de reinserção social e de emprego – poderiam fazer uma excelente matéria sobre quem oferta emprego para moradores de rua. As pessoas que são mostradas tentando ajudar o menino ao longo da matéria como um rapaz que ofereceu um sorvete para ele, e algumas mulheres que sugeriram que ele fosse para um abrigo são mostradas com histrionismo por Ernesto Paglia que atua (de maneira muito falsa) como se estivesse abobalhado com pequenos gestos solidários. É uma reação fake, criada, subestima a inteligência de quem está vendo, e a coisa toda me soou bastante hipócrita, pouco didática e bastante preconceituosa. Seria tão mais interessante se uma matéria em um programa com alta visibilidade abordasse como as bibliotecas públicas recebem os moradores de rua (abordamos esse tema na newsletter Bibliotecas do Brasil #22), se estão preparadas para atendê-los, se existem projetos dedicados a aproximá-los dos livros, se lhes é permitido ao menos usar o banheiro desses locais, e como as pessoas em geral podem colaborar.
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