Miró precisa de espaço
2.11.12É um final de tarde laranja em Mont-roig del Camp e Miró está com febre tifoide, com a cabeça queimando e no meio de um colapso mental. Obrigado a ser um contador em uma farmácia pelo pai, sentiu-se violado em aprisionar seus impulsos artísticos e cores primárias presos em livros pardos com dados insignificantes.
Na fazenda da família em Mont-roig, no interior da Catalunha, deprimido, suando de febre o então jovem de 18 anos chegou a uma conclusão: ou viro artista ou é melhor deixar esta febre me levar. Contra os desejos do pai, inscreveu-se na escola de Francisco Gali, onde conheceu novas técnicas de pintura, apesar de não conseguir realizar desenhos acadêmicos perfeitos, tinha um controle de cores absurdo.
Desenvolvendo seus dons para as cores, começou a pintar como os fauvistas, com cores fortes que eram diferentes da realidade, com a influências das gravuras japonesas fazia seus quadros extremamente detalhistas. Representando a fazenda da família, seu local de nascimento artístico, conseguiu algum reconhecimento de colegas pintores, porém não de público, com sua primeira exposição ficando às moscas.
Viajou para Paris nos anos 1920, o centro da pintura contemporânea e das ideias revolucionárias. Entrou em contato com Picasso, Hemingway, Klee, Braque, Breton e foi um dos fundadores do movimento Surrealista, mas sem se interessar muito pelo lado político do movimento. Tímido como era, tinha dificuldades em conseguir expor seus quadros ou vendê-los, viveu períodos até de fome, que o inspiraram a pintar um de seus mais famosos quadros o Carnaval do Arlequim.
Apoiou o movimento republicano contra o General Franco em sua cidade natal de Barcelona, em um dos poucos momentos de atividade política. Miró não concordava com a ideia de que sua arte servisse de propaganda política, preferia ter a liberdade de agir em qualquer área da criação independente do pensamento político que ela trouxesse junto.
Durante a 2ª Guerra Mundial desenvolveu as obras mais belas de sua carreira, a série Constelações, com uma linguagem única, utilizando símbolos repetidos em suas telas e traços simples e pretos sobre as cores primárias que queimam ao fundo e nos atraem para o espaço, onde flutuamos não no escuro eterno, mas no branco suave, no amarelo quente, no vermelho que abraça ou no azul que grita. A repetição nos leva para a as estrelas que lembramos ao fecharmos os olhos em uma noite clara e estrelada, elas são lembranças de luzes que viajaram milhares de anos luz para nos atingir.
Com esse encontro de uma linguagem própria Miró começou a receber reconhecimento no Estados Unidos, através da divulgação do filho do Henri Matisse, Pierre. Nesta mesma época casou-se com a mulher que seria sua companheira para o resto da vida: Pilar. Mudaram-se de volta para a Espanha antes de Hitler chegar na França e estabeleceram-se em Barcelona.
Agora que Nova York, o novo centro da arte mundial havia aprovado Joan Miró, a Europa do pós guerra também o aceitou. Com diversas encomendas de murais e grandes trabalhos agora poderia relaxar e desenvolver sua arte sem o temor da fome ou de não ter estúdio para pintar.
Após vários anos de reconhecimento e finalmente tendo a possibilidade de experimentar novas formas de expressão, passou a realizar esculturas, cerâmicas e até tapeçarias que eram tradições dos artesãos e artesãs de sua terra natal e o ajudaram a defender a separação da Catalunha do domínio espanhol. Agora que tinha mais de 70 anos conseguiu dinheiro o suficiente para pedir ao arquiteto Josep Lluís Sert construir um local onde tivesse um estúdio grande o suficiente para seus muitos projetos e um local onde os novos artistas tivessem apoio para divulgarem e produzirem arte.
A Fundação Joan Miró está ativa em Barcelona e ainda mantém o estúdio intocado, com suas muitas telas e tintas sobre a mesa, as manchas de tinta pelo chão, a luz entrando pelas grandes janelas iluminam todo o ambiente e ao olhá-lo Miró com certeza pode dizer que finalmente tem espaço suficiente para criar.
Juliano Rocha
julianorocha@gmail.com
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