Deterioração precoce na Biblioteca Pública Municipal de Guaratuba

25.8.12

Texto de Daniele Carneiro (Blog Bibliotecas do Brasil) sobre a situação da Biblioteca Pública de Guaratuba, localizada no Centro da cidade, no litoral do Paraná. 


A Biblioteca Pública Municipal de Guaratuba (PR) fica num prédio antigo muito bem localizado na Praça da Matriz, no centro da cidade, com espaço para abrigar um considerável acervo. Ela fica a poucos passos da baía de Guaratuba, em frente à praça central da cidade, local de grande movimentação de moradores e turistas. A praça é palco de feiras que acontecem durante o ano, eventos, shows, e da famosa Festa do Divino.

O acervo é caprichado, a biblioteca têm livros novos com edições atualizadas e recentes sobre os mais variados temas. As estantes dedicadas à literatura brasileira e estrangeira merecem atenção especial. Não se pode reclamar da falta de livros em Guaratuba, pois há centenas deles aguardando empréstimo. A biblioteca merece uma visita. O acervo é realmente incrível, com muitos livros novos de literatura estrangeira e brasileira, biografias, livros de história, de arte, filosofia, enfim, tudo o que possa agradar um leitor, desde os mais exigentes até os mais desencanados.

A biblioteca tem coleções completas novinhas de autores como Rubem Alves, Clarice Lispector, Dalton Trevisan e Graciliano Ramos. Sou admiradora dos livros do escritor Dalton Trevisan e foi a primeira vez que vi tantas edições diferentes, novas e mais antigas reunidas lado a lado numa mesma estante. E não acaba por aí, a Biblioteca Pública de Guaratuba tem tantos autores diversos, que instigam a uma fuçada um pouco mais demorada e caprichada por entre suas estantes.

Vi Zuenir Ventura, José Saramago, Edgar Allan Poe e Oscar Wilde. Um livro que estou querendo ler da Lilia Moritz Schwarcz chamado “As Barbas do Imperador” parecia que nem havia sido folheado, cheirava a livro novo, com as páginas ainda todas juntinhas, intocadas. Outros autores tão queridos e respeitados por milhares de leitores também estão presentes nas estantes da Biblioteca de Guaratuba como Chico Buarque, Laurentino Gomes, Domingos Pelegrini e Amyr Klink em vários volumes de suas principais obras. Nas estantes dedicadas aos livros de arte, encontram-se ali esperando por leitores e admiradores, Goya, Michelangelo, Vincent Van Gogh, Picasso e Leonardo da Vinci. Também há livros sobre arte paranaense de diversas épocas, livros sobre museus e exposições de muitas regiões do Brasil, e o livro “Arte Contemporânea” de Giulio Carlo Argan, também novíssimo, aparentemente sem ter sido emprestado ou folheado ainda. A estante dedicada à arte é grande e boas leituras podem ser encontradas por ali.

Porém...


O prédio da Biblioteca Pública Municipal de Guaratuba tão convidativo por fora, com sua arquitetura em formato de castelo, por dentro mostra claramente que precisa de manutenção. O teto e as paredes estão sujos com marcas de infiltração. Visitada em dia de chuva a biblioteca apresenta goteiras que interferem o caminho de quem circula pelo ambiente. Algumas janelas do segundo andar estão emperradas e chove sobre os livros. A biblioteca sempre está escura, e não é possível permanecer muito tempo por lá tentando ler alguma coisa, principalmente no andar de cima onde estão localizadas as mesas para leitura. A Biblioteca de Guaratuba necessita de um sistema de iluminação que promova a leitura, que torne mais fácil a localização dos livros pelos leitores. Até para procurar os livros nas estantes é uma tarefa difícil pela falta de iluminação.

Estantes e livros deteriorados pela ferrugem que toma conta de toda a Biblioteca Pública de Guaratuba.

A situação mais grave, que necessita urgente de uma solução, antes que os livros fiquem totalmente inutilizados é a das prateleiras. Os livros estão acomodados em estantes de metal. Guaratuba é uma cidade litorânea, e a maresia é um inimigo constante. As estantes estão enferrujadas com a umidade e a maresia, e agora as páginas dos livros estão dominadas com essa ferrugem. As estantes não são pintadas, nem revestidas com algum material que proteja os livros. O papel fica em contato com o metal puro. E enferrujado. A falta de manutenção e uma melhor acomodação estão deteriorando esses livros bem mais rápido que o natural. Essas estantes de metal enferrujadas abrigam os livros, que novinhos, começam a ficar inutilizados.

Livros com as páginas enferrujadas pelas próprias estantes

Daqui uns três, quatro meses, os livros ficarão inutilizados pelo excesso de ferrugem em seus tomos, e com páginas também completamente enferrujadas. Muitos já estão assim. O único exemplar que encontrei de “O Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, aparentemente novinho, acabado de sair do estoque de alguma livraria, estava com as páginas totalmente enferrujadas. Devido à oxidação que a ferrugem causa no papel, é muito difícil recuperar um livro enferrujado para que ele circule novamente. Certamente ele irá parar na reciclagem em poucos meses, se ainda for possível reciclá-lo. É uma incongruência ter de destinar um livro que acabou de sair da loja para a reciclagem porque suas páginas estão enferrujadas.

É possível verificar através dos carimbos que se encontram nas páginas dos livros e anotações feitas em cima desses carimbos, quando eles são frutos de doação e quando são comprados pela prefeitura da cidade. Os carimbos e anotações a lápis ou a caneta diferenciam eles. Muitos dos livros presentes no acervo são doados pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, pela Prefeitura de Paranaguá, e também um grande número de doações feitas pela Biblioteca Nacional.  A grande maioria dos livros que vi foi comprada pela própria Prefeitura de Guaratuba. Essas informações estão nos carimbos dos livros. O desperdício e falta de cuidado com o acervo chocam qualquer pessoa que tenha o mínimo de noção de quanto custa um livro hoje em dia, principalmente quando esse dinheiro sai do bolso do contribuinte.
Se a administração da biblioteca está comprando livros é porque há pedidos por eles e interesse em ampliar o acervo. O que fica difícil compreender é porque a biblioteca se encontra numa situação lastimável. Ao visitar a biblioteca é possível ver os funcionários trabalhando (tem dias que tem duas pessoas, em outros tem umas quatro ou cinco), catalogando jornais.

Mas o acervo está bagunçado, muitos livros ficam fora do lugar, fora das estantes, deitados, empilhados uns sobre os outros, fora da ordem alfabética e da ordem por nome de autor, demonstrando certo abandono. Os livros também estão empoeirados, demonstrando que não passam por uma limpeza há tempos. Os livros novos estão tão empoeirados a ponto de sujar as mãos e as roupas de quem visita o lugar, e até provocar crises de tosse e espirro. Os próprios funcionários estavam sofrendo com crises de espirros durante o verão. Não há uma circulação de ar apropriada dentro da biblioteca com ventiladores de teto, ar-condicionado ou ambiente controlado. A maioria desses livros está com “orelha” e as capas envergadas por conta dos extremos de temperatura, que na cidade de Guaratuba se revezam entre o excesso de umidade e calor extremo.

Burocracia atrapalha verdadeira função da biblioteca


A biblioteca também não tem uma orientação aberta aos possíveis turistas e veranistas que trocam de cidade durante o verão, e não facilita empréstimos para pessoas de fora da cidade. Guaratuba por ser uma cidade litorânea distante 145 km de Curitiba, acaba virando a casa de muitos curitibanos durante os meses de novembro a março. Também tem o pessoal que vem do interior do Paraná (Londrina, Cornélio Procópio, Loanda, Maringá, Guarapuava) e de outros estados. São turistas e veranistas que passam entre três e quatro meses em Guaratuba, que vieram de excursão, ou estão em pousadas, em casas e apartamentos alugados, em campings para passar as férias inteiras, só voltam para casa após o carnaval, e que poderiam frequentar a biblioteca.

Mesmo com o comprovante de residência de um parente muito próximo (como o pai ou a mãe) que podem ter os nomes verificados na carteira de identidade, provando que se é proprietário de uma casa em Guaratuba, não foi possível a confecção de uma carteirinha. Não é permitido e não tem papo, caso o veranista queira se alongar que seu interesse é apenas no empréstimo e na leitura. Os funcionários não foram instruídos para esses casos onde o veranista muda-se de cidade (de Curitiba para Guaratuba, ou de Londrina para Guaratuba) durante todos os meses do verão.

É uma pena, porque a cidade é uma delícia. É aprazível ler nas praças, nas padarias, na beira do mar, nos restaurantes, nas redes das pousadas. A administração da biblioteca poderia dar um voto de confiança aquelas pessoas que durante três ou quatro meses também são moradores da cidade. Por ser turística, poderia também ser um pouco mais cosmopolita e abraçar esses leitores que permanecem durante tanto tempo em Guaratuba. Durante a temporada 2011-2012 uma loja de ponta de estoque instalou-se na cidade e vivia lotada o dia inteiro, cheia de pessoas interessadas em leitura, entretenimento e cultura impressa. Deve ter faturado horrores, bom para eles que tiveram essa visão de apostar no mercado de livros, e as pessoas corresponderam comprando muito. Enquanto isso a biblioteca… Estava vazia, já que empréstimos nem de alguns poucos livros do acervo podem ser feitos aos veranistas.

Bastava um pequeno investimento


Segundo o livro “Técnicas Modernas de Preservação e Recuperação de Acervos” dos autores Gláucia Gomes, Isabel Nogueira e J. J. Abrunhosa, 

“muitas vezes, observa-se que a falta de um pequeno investimento financeiro e de algumas horas de trabalho adicional originam danos irreversíveis ao acervo (…). A ideia é preservar para não recuperar, ou seja, adiar ao máximo possível a necessidade de recuperação”.

Esses problemas vistos na Biblioteca de Guaratuba podem ser facilmente solucionados com iniciativa e boa vontade. Pode-se fazer um mutirão solidário em parceria da prefeitura com os comerciantes da região, convocando voluntários da área para ajudar na organização, limpeza e manutenção necessárias a biblioteca.
Poderia ser solicitada a ajuda dos órgãos públicos que já ajudam a biblioteca de Guaratuba. Já que a biblioteca recebe doações de livros da Secretaria da Cultura, da Biblioteca de Paranaguá e da Biblioteca Nacional, com um simples telefonema poderia conseguir facilmente através desses órgãos um intercâmbio de profissionais habilitados para dar treinamento aos funcionários e ensinar técnicas de melhoria das condições de acondicionamento dos livros, além de trazer para o ambiente da biblioteca o conhecimento necessário para prolongar a vida útil dos livros.  Tenho certeza de que muitas outras sugestões de profissionais ligados à biblioteconomia, ao restauro, à manutenção e preservação de bibliotecas e acervos e dos amantes de livros surgirão nos comentários desse texto.

É urgente


Faz-se urgente que a administração da Biblioteca Pública de Guaratuba comece a cuidar desses livros como se fossem deles. Faz-se urgente um controle dos fatores de deterioração precoce dos livros, ao invés de simplesmente relegá-la ao abandono, à falta de preservação dos livros, à falta de organização e de manutenção. Os guaratubanos são merecedores de uma biblioteca que proporcione um bom estado aos seus livros. Uma biblioteca bem cuidada serviria também como mais um encanto para essa cidade tão cheia de bons atrativos. Recuperada e bem administrada, a biblioteca poderia começar a conseguir trazer para dentro de seu ambiente, crianças e jovens tão necessitados de bons exemplos, e de substância para suas vidas. Precisam de livros e de leitura, de substância bem diferente daquelas em formato de pedra que são consumidas em plena luz do dia, no centro da mesma praça onde fica a biblioteca.

Textos e fotos: Daniele Carneiro e Juliano Rocha em 20/03/2012.
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